Um manual essencial para compreender a política com P maiúsculo

Considerado uma obra-prima atemporal e que marcou a história da ciência política, servindo de referência para acadêmicos e estudiosos interessados em compreender a verdadeira essência do processo de gestão e elaboração das leis, o livro “A Política”, escrito por Aristóteles no século IV a.C., parte do pressuposto que o estado é uma criação da natureza, e que o homem é por natureza um animal político. Em termos dialéticos, ele cita Homero, para quem o “sem tribo, sem lei, sem coração”, seria aquele que por natureza e não por mero acidente, seria um homem mau, mais próximo de barbárie ou alguém que está acima da humanidade.

Embora ele tenha sido discípulo de Platão, que nos legou a República e foi autor de diálogos que formaram as bases da filosofia ocidental, “A Política” não deve ser considerado como uma continuação da obra do seu mestre, pois, na verdade, os dois filósofos têm enfoques diferenciados em relação à política, ao sistema de governo e à própria organização da sociedade. Aristóteles vê cada estado como uma comunidade voltada para o bem comum, aparecendo assim como o mais elevado grau de convivência social. Ele também faz a distinção entre o rei, que exerce o poder de forma pessoal e a figura do estadista, o qual de acordo com as regras da ciência política, os cidadãos governam e são governados sucessiva e democraticamente.

A Política” tem o foco em questões políticas, econômicas, sociais e até psicológicas para implementação de um governo marcado pela ética e pela justiça na implementação do bem comum. Em essência, Aristóteles defende a existência da propriedade privada, da família e de regras jurídicas estáveis, ao contrário de Platão, que idealizava de forma utópica de governo, com formação de um estado protossocialista e um governo liderado paradoxalmente por reis-filósofos, formando um estado conceitualmente perfeito e ao mesmo tempo abstrato.

Divido em oito livros, com 190 páginas, “A Política” considera evidente que o homem é mais um animal político que as abelhas ou qualquer outro animal gregário. Observa ainda, que como a natureza não faz nada em vão, o homem seria o único animal a quem ela dtou com o dom da palavra. “O indivíduo quando isolado, não é autosuficiente; e, portanto, ele é como uma parte em relação ao todo. Mas, aquele que não consegue viver em sociedade, ou que não tem necessidade porque é suficiente para si mesmo, deve ser uma besta ou um deus,” pontua criticamente o filósofo grego.

Aristóteles também via a pólis, espécie de cidade-estado, como unidade fundamental da organização política, tendo uma base econômica e uma moeda própria lastreados como instrumento de troca para fatores produtivos como a terra, o capital e capacidade de trabalho dos seus moradores, os quais podem viver sob diferentes formas de governo e mobilizados militarmente na defesa da sua pátria. A pólis também funcionaria como unidade fundamental da organização política e como local onde os cidadãos participam da vida comunitária tomando decisões coletivas e exercendo plenamente a sua cidadania.

Além de considerar que a comunidade política é a melhor de todas para aqueles que são mais capazes de realizar seu ideal de vida, Aristoteles destacou que os membros de um estado devem ter todas as coisas ou nada em comum, ou mesmo algumas coisas em comum e outras não, mas sem deixar espaço para os que não têm nada em comum, o que inviabilizaria a existência de um estado. Um outro pressuposto do filósofo grego é que a ética, é a salvação do estado, que também deve ter a sua base na educação da população, hoje um dos fatores fundamentais em qualquer projeto de desenvolvimento econômico e de inclusão social.

Para o pensador helênico que viveu num período em que existia a escravidão e discutia esta questão, como também sobre o papel das mulheres e crianças na sociedade, a pobreza é a geradora dos crimes e das revoluções, mas os maiores crimes são cometidos mais por execesso, do que por necessidade, daí a importância da implementação de um sistema judicial que julgaria em varas diversas os diversos tipos de delitos, inclusive os casos de homicídio. O filósofo salientou ainda, que mesmo depois de escritas e codificadas, as leis nem sempre deveriam permanecer inalteradas, adequando-se ao desenvolvimento econômico, social, político e tecnológico da sociedade no decorrer do tempo.

Atenção é dada também em “A Política” à gestão adequada dos recursos públicos e ao próprio conceito de estado, que é formado através de uma parceria pelos cidadãos que a compõem e pode ser comprado metafóricamente com um ser vivo. Outro ponto observado por Aristóteles é que às vezes, quem é cidadão – pessoa que participa da administração da justiça e dos cargos – em uma democracia, não o será numa oligarquia ou num outro sistema de governo qualquer.

Na obra, ele classificou as formas de governo em seis categorias: monarquia, aristocracia e democracia. O contraponto negativo desses regimes seria a tirania, como uma espécie de monarquia que têm em vista apenas o interesse do gestor; a oligaquia que tem em vista apenas o interesse dos ricos e o governo dos necessitados, que formariam a maioria do estado democrático, mas não almeja o bem comum de todos.

Para Aristóteles, “Tirania, como eu dizia, é a monarquia que exerce o domínio de um senhor sobre a sociedade política; a oligarquia é quando os homens de propriedade têm o governo nas mãos; democracia, ao contrário, quando os indigentes e, não os homens de propriedade, são os governantes.” Quanto à monarquia, ele a vê sob quatro formas distintas: primeiro, como a monarquia das eras heróicas, que era exercida sobre voluntários, mas limitada em certas funções, com o rei atuando como general, juiz e líder religioso; o segundo modelo seria o dos bárbaros, com um governo despótico hereditário. O terceiro seria o poder chamado Aesynmet ou ditadura, funcionando como uma tirania eletiva e, por fim, o espartano, exercido por um general, hereditário e perpétuo.

    Um outro questionamento proposto pelo filósofo é sobre o dilema se é mais vantajoso ser governado pelo melhor homem ou pelas melhores leis? Esta premissa abre a discussão sobre como surge e se estabelece as bases um estado, uma vez que o governo é sujeito a uma única ciência, visando atender os anseios e as necessidades das população. O governo deve ter por base uma constituição, com a organização dos cargos do estado e uma estrutura de gestão específica.

    A Política” analisa três formas verdadeiras de governo: o governo real, a aristocracia e o governo constitucional, tendo como contraponto três perversões: tirania, oligaquia e a democracia, que pode ser encarada como o populismo. Para Aristóteles, a tirania seria o pior dos governos e o mais distante da forma bem constituída, a oligarquia seria um pouquinho melhor e a democracia, o mais tolerável dos três. Ele cita um autor anterior a ele, que considerava a democracia a pior forma de governo, mas a melhor quando todas as outras são ruins.

    Além de discutir a estrutura do estado que era integrado pelos produtores de alimentos – agricultores, caçadores, pastores e pescadores – e macânicos que praticam as artes sem as quais uma cidade não poderia existir e funcionar, a terceira classe seria a dos comerciantes engajados na compra e venda no atacado e no varejo. O estado também seria integrado pelos guerreiros, religiosos, juízes, burocratas, mas jamais poderia existir sem governantes.

    Como nada escapa ao olhar do filósofo, ele defendia um sistema pleno de justiça e igualdade, enfatizando a importância da participação cívica da população. Ao analisar a diversidade de formas de governo e a busca pela virtude como pilares fundamentais da política Aristóteles destacou que: “há três motivos pelos quais os homens reivindicam uma participação igual no governo: liberdade, riqueza e virtude (pois o quarto ou o bom nascimento é o resultado dos dois últimos, sendo a riqueza e virtude antigas), é claro qe a mistura dos dois elementos, isto é, do rico e do pobre, deve ser chamada de regime ou governo constitucional; e a união dos três deve ser chamada aristocracia ou governo dos melhores, e mais do que qualquer outra forma de governo, exceto o verdadeiro e ideal, tem direito a esse nome”.

    Aristóteles antevia o governo dividido em tres poderes complementares e harmônicos: executivo, legislativo e judiciário, com todo um sistema de aplicação das leis. A obra também analisa os motivos que levam a uma revolução que pode ser motivada pela insolência e avareza a partir da disputa de grupos antagônicos e irreconciliáveis. Outras revoluções são provocadas por grupos poderosos insatisfeitos com o governo ou ainda pelo medo e pelo desprezo de uma parcela da população.

    Outra constatação teórica do filósofo, é que “as revoluções políticas também surgem de um aumento desproporcional em qualquer parte do estado”, mas às vezes as formas de governo também mudam até sem revolução, podendo ocorrer a partir de disputas eleitorais, por questões raciais ou outros motivos.

    Uma conclusão adicional de Aristóles, é que a história mostra que quase todos os tiranos foram demagogos que ganharam o favor do povo acusando os notáveis para chegar ao poder, fomentando a disputa do nós contra eles e gerando polarização política. Ele defende a ética, a justiça e a liberdade como pressupostos fundamentais para a construção de melhor forma de governo e oferta uma melhor qualidade de vida dos cidadãos tendo como fundamentos os bens externos, que têm um limite, uma vez que todas as coisas uteis são de tal natureza; os bens do corpo e os bens da alma como posses essenciais para a construção da felicidade. Para o próprio filósofo isso gera uma outra questão: a felicidade do indivíduo é a mesma do estado ou é diferente?

    Mas as ideias de Aristóteles transcenderam aos limites do campo político e continuam a influenciar o mundo contemporâneo também a partir da lógica aristótelica, um estudo pioneiro sobre o raciocínio lógico a partir de premissas verdadeiras e falsas; do estabelecimento das bases do pensamento ciêntifico ao buscar princípios, causas e elementos fundamentais para o desenvolvimento científico. Ele também legou sua contribuição à metafísica ao explorar conceitos como substância, essência e mudanças, além de nos oferecer reflexões profundas sobre a natureza, o cosmos e no campo da estética, deixando a herança simplista de que até um texto tem que ter princípio, meio e fim. Precisava algo mais? (Kleber Torres)

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